terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Meditação pela Antroposofia / Parte 2/2



Pode-se considerar que o desenvolvimento da humanidade desde antigamente consiste em um despertar. Nos tempos antigos, cada pessoa era essencialmente um membro de uma comunidade. Cada vez mais as pessoas tornaram-se mais autônomas.

Vimos que a meditação é um caminho para um despertar.

Nesse desenvolvimento individual repete-se o que acontece na evolução da humanidade, um despertar para o superior.

Em tempos antigos a consciência era mais onírica e, por isso, as pessoas necessitavam de líderes que lhes davam os impulsos. Hoje cada um pode encontrar dentro de si algo de divino, que é a fonte de uma autotransformação.

Descrevemos, na primeira parte, um caminho em que se nota um despertar gradativo no sentido de se encontrar no mundo sensorial as forças suprasensíveis que estão por trás dele.

No estado de vigília, entramos em uma sequência de três passos:

1. Observar o crescer e o fenecer, acompanhando de sentimentos;
2. Audição, em que se observa o que cada ser expressa do seu interior;
3. Ouvir outra pessoa, tentando perceber o que se manifesta nela de espiritual por meio da voz.

Existem basicamente vários passos que levam à meditação; em cada um pode-se exercitar o que se manifesta no sensório, mas que é a manifestação de algo espiritual.

Primeiro passo: construir uma cabana interior, um espaço onde se está protegido para se poder perceber o que vem de cima. Isso significa encontrar uma fronteira entre o sensível e o supra-sensível, onde é possível encontrar-se a si próprio.

Isso está expresso na frase de que devemos encontrar em cada dia momentos onde se possa diferenciar o que é essencial do não-essencial. Nesses espaços deve-se deixar a vida cotidiana do lado de fora, permitindo encontrar a própria consciência interior para realizar melhor as tarefas.

Segundo passo: se se deseja continuar o caminho: unir-se a um conteúdo mental que é dado pelo mundo espiritual.

Em primeiro lugar é necessário estruturar a meditação em vários níveis:

1) observação;
2) pensamento;
3) formação de imagens interiores;
4) sentimentos;
5) concentração.

A meditação consiste em tomar-se o resultado desse preparo e ligar-se com ele com toda a concentração possível e deixar o resto de fora.

É como a entrada em um recinto sagrado.

Para entrar numa igreja ou capela, há um preparo, não se costumando simplesmente entrar da rua – pensa-se que lá dentro ocorre algo de divino. Se se trata de assistir um culto, coloca-se roupa adequada, prepara-se o estado de espírito. Depois abre-se a alma para que ela possa receber o que vem de cima.

Na meditação também é necessário preparar-se e, em seguida, estrutura-se essa meditação e depois imerge-se nesse conteúdo.

É importante unir a cabeça ao coração.

Nessa situação a pessoa deve encontrar-se numa calma, em um movimento de receber com serenidade.

No final é importante fazer um encerramento, e como que passar por uma porta e aí entregar-se ao dia-a-dia. Não se deve vincular o ambiente e o conteúdo da meditação com o dia-a-dia. Somente os frutos da meditação devem fluir para o cotidiano.

Há dois tipos fundamentais de meditação: na forma de imagens, envolvendo objetos ou símbolos.

Do outro lado, meditação sobre a linguagem: frases ou pensamentos.

Trata-se de dois tipos fundamentais de meditação. Uma é a que envolve imagens, relacionando-se o que está lado a lado. Já a meditação em verso relaciona-se com o que é sequencial.

Existem muitos exercícios de concentração, mas não é isso que faremos, e sim exercícios que ativam o pensar, para que ele se torne mais produtivo.

1. Vamos partir de um símbolo. Uma meditação dada por Rudolf Steiner (mas já conhecida anteriormente) concentra-se na forma de duas espirais entrelaçadas [desenha no quadro-negro duas espirais começando perto uma da outra, uma terminando em cima e a outra em baixo].

É importante começar com a observação. Essa figura tem dois elementos. Como eles relacionam-se entre si? Eles são parecidos, mas têm uma polaridade. Pode-se considerar que a de cima adentra e a de baixo desenrola-se para fora: uma concentração e uma expansão. Observa-se que as duas são redondas. Pode-se agora imaginar que há um ponto central na convergência das duas. Uma vem de cima, termina e desaparece; a outra ressurge da primeira e volta-se para baixo. Esse é o primeiro nível, o da observação.

Observando-se mais atentamente, vê-se que é impossível olhar para essa figura sem fazer um movimento interior. Experimente-se olhar rigidamente para ela sem fazer um movimento; continuamente se é levado a ele. De fato, os símbolos meditativos são tais que a pessoa insere-se nas correntes cósmicas.

Tenta-se agora descobrir quais pensamentos brotam a partir dessa figura. Por exemplo, os pensamentos de infinito e de desenvolvimento. Percebe-se que existe um ponto virtual, onde não há nada, de onde partem novos impulsos. Há situações onde se passa algo que não tem nada a ver com os sentidos, como o sono e a pausa na música. O que se passa na pausa na música ecoa do passado e leva para o futuro. Existem pianistas que sentam-se ao piano e começam imediatamente a tocar; outros sentam-se e vem uma pausa. A primeira nota fica diferente se há uma pausa anterior. Também entre a inspiração e a expiração do ar há um ponto de transição.

Pode-se dizer que o ser humano é um ser respirador.

O mesmo se dá com o adormecer e o acordar e com o nascimento e a morte.

Há outras polaridades como essas; na transição há um espaço supra-sensorial que devemos buscar. Tudo o que se elabora tendo por base essa forma deve levar a uma abstração, tentando-se buscar um sentimento de base, e com ele retornar para a forma.

O importante é que a partir da forma foi estimulado um pensar produtivo, que não está na própria forma.

Esse é um exercício de meditação sobre um símbolo que Steiner deu a um discípulo com a seguinte indicação: uma involução que desaparece e que reaparece. Algo que desaparece e depois começa de uma forma nova. É como uma planta que desaparece no solo no inverno da Europa, para ressurgir novamente na primavera, a partir da Terra.

Pode-se olhar para essa figura com as espirais e reconhecer a evolução; a evolução do ser humano e da Terra não são lineares; algo desaparece e ressurge.

2. Vejamos um outro exercício para concentração; fazendo-se-o por poucos dias percebe-se que a capacidade de concentração melhora.

Trata-se de imaginar dois triângulos equiláteros iguais com um lado horizontal comum. [É interessante não se fazer um desenho das figuras nos vários estágios descritos a seguir, para que a imaginação das mesmas venha somente de uma criação interior.]

Pode-se agora imaginar que o triângulo inferior fica fixo e que o superior desce mantendo o eixo meridiano. Quais os diferentes estados? Inicialmente aparece na interseção um hexágono achatado; continuando o movimento, esse hexágono vai aumentando, até ficar regular (todos os lados iguais), quando se está com uma estrela de 6 pontas, a estrela de David. Continuando, o hexágono interior fica cada vez mais esticado, até que base do triângulo superior encoste no vértice inferior do outro triângulo, obtendo-se um losango regular no lugar do hexágono. Continuando ainda o movimento, o losango, sempre regular, vai diminuindo e se chega à situação inversa à inicial, em que os triângulos tocam-se em um vértice. Em seguida imagine-se o triângulo inferior movendo-se para cima, etc. Esse exercício requer uma concentração enorme; perdendo-se o fio, deve-se recomeçá-lo novamente. Um aperfeiçoamento é imaginar o triângulo superior amarelo e o inferior azul; a interseção deve ser imaginada em verde. Rudolf Steiner diz que, ao se imaginarem cores, deixa-se para trás o pensamento ligado ao sensório.

Com esse exercício treina-se a capacidade de formar imagens interiores.

3. Ainda outro exercício é imaginar-se um círculo vermelho, e em volta dele um anel verde. Há pessoas que têm dificuldade de imaginar cores. Se esse for o caso, é interessante imaginar inicialmente tudo vermelho: grama, vestimenta, árvore. Em seguida, imaginar tudo verde. Em seguida tenta-se rapidamente condensar esse verde numa circunferência. Isso é uma ajuda para os que têm dificuldade de imaginar cores.

O problema começa agora. A área circular geralmente não fica parada; às vezes foge, ou se movimenta. Pode-se perceber que é necessário um esforço muito grande para manter a imagem do círculo rodeado pelo anel.

O exercício consiste em alternarem-se as cores ritmicamente: círculo verde, anel vermelho, voltar ao original, etc. Pode-se perceber que isso é muito difícil; quando se consegue alternar 7 vezes já é muito bom. Deve-se ser muito rápido, pois às vezes a imagem surge e desaparece. Isso exercita o despertar no mundo da movimentação.

4. Pode-se fazer um outro exercício que conduz a um pensar diferente do comum. Em geral pensa-se sempre em uma certa coisa ou em outra, de maneira excludente – sem esse tipo de pensamento não se pode usar um computador.

Para contrapor-se a esse tipo de pensamento, pode-se imaginar uma circunferência, fazendo seu raio crescer. À medida que a circunferência cresce, a curvatura diminui até ela transformar-se numa reta infinita. Isso acontece quando se está no meio do mar, e em toda a volta tem-se uma linha. É o ponto limítrofe entre o finito e o infinito. Pode-se em seguida fazer o contrário: imaginar a circunferência cada vez menor, até reduzir-se-a a um ponto. Um ponto ideal é infinitamente pequeno, não pode ser desenhado. É algo que não existe, mas a partir do qual tudo pode surgir. O limite interior das duas espirais vistas, o que elas têm em comum, é um ponto. Uma circunferência não é uma reta, e uma reta não é um ponto, nem uma circunferência é um ponto. Mas o ponto transforma-se em circunferência e esta transforma-se em reta. De um aparece o outro. Pode-se dizer que a circunferência vive entre o ponto e uma reta infinita. Dessa forma os conceitos não se excluem mutuamente, mas transformam-se um no outro. [Note-se que, no exercício anterior, o ponto de encontro dos vértices dos dois triângulos é o limite pontual dos losangos de interseção dos triângulos; os losangos são o limite dos hexágonos, quando os lados superior e inferior se reduzem a um ponto; o lado comum inicial dos triângulos é o limite dos hexágonos.]

Podem-se fazer esses exercícios na fila do caixa do supermercado...

Com eles fortalece-se o pensar para a meditação.

Um outro aspecto: qual a qualidade da meditação que tem mais caráter de imagem e a com mais caráter de palavra?

Na meditação por imagens, o objetivo é formar uma unidade: as rosas e as cruzes. [Referência à meditação "rosa-cruz"; ver o livro de Steiner A Ciência Oculta, capítulo "O conhecimento dos mundos superiores"].

Observando-se uma obra de arte foca-se sucessivamente em detalhes, mas se deve buscar a unidade. Quando se observa uma obra de arte, tudo leva ao movimento. Pode-se dizer que, basicamente, na meditação em imagens deve-se colocar o que está lado a lado para movimentar para a unidade.

Na meditação com versos é o contrário – há uma sequência de acontecimentos no tempo. No entanto, também se deve procurar uma unidade. Quando se faz a meditação de um verso, a primeira linha ainda é valida na 2a, 3a, etc. Em outras palavras, devo transformar uma seqüência temporal levando a uma unidade, um todo.

Para isso, um exercício maravilhoso é, conhecendo-se bem um verso, ao dizer a primeira palavra, desenrolar-se todo o resto. Pode-se agora experimentar dizer interiormente o verso começando pela última linha e indo até a primeira. Dominando-se essa forma, pode-se falar interiormente palavra por palavra de trás para frente, e até sílaba a sílaba (excelentes exercícios para a fila do supermercado!). Quem conseguir ir contra a sequência normal de um verso, jamais o esquece.

Os exercícios de imaginar ou falar interiormente algo de trás para frente são muito bons, pois quando passamos para o mundo supra-sensível, por exemplo, ao adormecer, tudo se passará de trás para frente.

Por isso Rudolf Steiner recomenda a retrospectiva da noite para a manhã do dia que está terminando [ver "A Ciência Oculta"]. Assim entra-se no fluxo do depois de adormecer.

Esses foram apenas exemplos de como preparar-se para a meditação. Passemos agora à questão de como enfrentar os perigos que podem advir com ela.

Existe uma frase no Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores:

"Se se pretende dar um passo no desenvolvimento espiritual, é preciso dar três passos no desenvolvimento moral".

Os perigos são cair-se num egoísmo refinado e na ilusão. Quando se chega mais a fundo na Antroposofia, vê-se que não se aprende sobre boa alimentação, o bom vestuário de seda e de lã; o risco que se corre é a pessoa entrar em um clima naturalista exagerado, levando a rejeições. Pode-se ainda despertar na manhã e não continuar a ser um ser social, pois quando dormimos somos sociais.

Por isso é decisivo o adormecer consciente, passar-se do egóico para a periferia. Isso tem a ver com uma das metas da meditação, que é separar o âmbito anímico-espiritual do corpo físico. Esse é um processo de escarnação.

A grande pergunta é o que acontece com os próprios costumes quando o dono da casa vai passear. Sempre que um espírito deixa um local, sobra um espaço que pode ser ocupado por um espírito inferior. Daí o grande risco de pessoas que procuram a soltura do anímico-espiritual: se não fizerem um desenvolvimento moral elas tornam-se pessoas piores do que eram antes. Por isso é necessário cuidar para fazer exercícios que tornem a alma sadia, isto é, desenvolver um pensar sadio, um sentir sadio e um querer sadio. É como trancar a casa e torná-la sadia.

Rudolf Steiner dá 3 exercícios aparentemente muito fáceis; ele diz que constituem na realidade um dever:

1. Controle do pensar – concentrar em um pensamento sobre algo bem objetivo, que corresponda à realidade. Bem simples: 5 minutos por dia concentrar-se num objeto, por exemplo, numa tesoura – qual o seu aspecto, seus elementos, o que pode ser feito com ela.

2. Exercício da vontade – planejar alguma ação e realmente executá-la. A vida atual é calçada de coisas que deveriam ser feitas e que não o são. Vivemos em um período em que quase não se exercita a vontade. Pode-se planejar, à noite, algo para o dia seguinte: por exemplo, antes de pôr a chave na fechadura da porta, bater nela 3 vezes. É importante que não haja nessa atividade nenhuma necessidade envolvida. Chega um dia em que se aproxima da à porta e vem a imagem de se estar batendo nela – isso dá um sentimento imenso de alegria: "Faço o que decidi." Tem-se com isso um sentimento de soberania sobre si próprio, de liberdade.

3. Equanimidade de sentimentos. Pelas confrontações muitas vezes reage-se sem que se queira. Por exemplo, uma professora que se irrita com um aluno. Depois fica desgostosa por se ter aborrecido. Não se trata de não ter sentimentos, mas de dominá-los e não se deixar dominar por eles.

No livro de Daniel Goleman Inteligência Emocional há uma história de um samurai que encontra um zen-budista e pergunta a este:

"Diga-me qual a diferença entre céu e inferno".

O budista diz: "Não tenho tempo para responder".

O samurai saca a espada e o zen-budista diz: "Isso é o inferno".

O samurai reconhece o mal que iria fazer e repõe a espada na bainha.

Diz então o budista: "Este é o céu".

Não ser dominado pelos sentimentos significa enobrecer o sentir.

Há ainda 2 exercícios mais relacionados com a sociedade:

4. Positividade. Normalmente vemos o que é errado. Não é necessário ter treino para criticarmos uma outra pessoa. O exercício consiste em procurar ver algo que pode evoluir, não o que não existe. Por exemplo, olhar uma rosa e não se fixar nos feios espinhos e sim na beleza da rosa. Pode-se exercitar o descobrir o lado positivo de tudo. Isso significa um enriquecimento social incrível. Não é possível ser médico ou professor sem positividade. O médico precisa acreditar nas forças de cura; o professor deve crer nas forças para o futuro.

Esse exercício é de importância muito grande para o convívio social.

5. Abertura. Abrir-se a tudo o que o que é novo. Na Alemanha, nos últimos anos, comparou-se o indivíduo a uma empresa. Isso é horrível, mas tem algo de realidade: carregamos preconceitos. Ao ver algo, sabemos imediatamente do que se trata; sabemos o que o outro vai dizer antes de ele abrir a boca. Carregamos uma série de experiências do passado, na forma de conceitos e preconceitos. Temos que fazer toda uma transformação para deixar de lado tudo o que já somos e possuímos. As qualidades a serem exercidas são abertura e falta de preconceito.

6. O último exercício consiste em exercitar conjuntamente os 5 anteriores.

O todo desses 6 exercícios corresponde ao desenvolvimento do chacra, ou "flor de lótus", do coração.

Isso tem a ver com o que foi mencionado na primeira palestra – ir cada vez mais da cabeça para o coração.

Não pode ser de outra forma – o resultado deve ser o incremento humano.

Esses exercícios não devem ser feitos para se melhorar pessoalmente, para dizer a um outro: "você é inferior".

Eles devem ser feitos para se poder atuar melhor, para com eles tornar-se mais humano. [Ver esses 6 exercícios colaterais no livro A Ciência Oculta].

Esses 6 exercícios colaterais devem ser feitos durante toda a vida. É interessante formar grupos para discutir as experiências de cada pessoa com eles, por exemplo de mês em mês. Isso é muito favorável, pois sabe-se que dentro de um mês haverá uma nova reunião e isso dá um impulso para fazer os exercícios até lá. Assim forma-se uma comunidade em torno dos exercícios.

Participei de vários desses grupos em Dornach; certas pessoas ficam contentes pois dizem que durante 6 meses elas conseguiam trabalhar, e depois necessitavam de novo impulso.

Fonte:
Parte 2 da Palestra
H. Zimmermann (Membro da diretoria da Sociedade Antroposófica Geral no Goetheanum, Dornach, Suíça)
Transcrição de duas palestras proferidas no Espaço Cultural da Sociedade Antroposófica em São Paulo, feita por Valdemar W. Setzer a partir da fala original e da tradução consecutiva de Sonia Setzer; observações do transcritor grafadas com [...]
Versão de 24/08/05
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